Podemos chegar numa certeza sem evidências? Podemos ainda fazer com que um boato torne-se uma verdade absoluta a ponto de levar alguém à ruína? Eu não tenho este dom. Claro, é uma dádiva, pois a pessoa precisa ter um poder de persuasão incrível e um poder de manipulação social mais fantástico ainda. Uma coisa é fato: a Irmã Aloysius (Meryl Streep), diretora de uma rígida escola no Bronx dos anos 60, tem essas duas qualidades. A partir de um comentário feito pela Irmã James (Amy Adams), segundo o qual o Padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) poderia estar aliciando um dos alunos da escola, Irmã Aloysius o aceita como sendo uma das certezas do momento e, sem dúvidas, irá fazer de tudo para que a verdade – ou seja, o que ela acredita que seja verdadeiro e não necessariamente a realidade - venha à tona. Dúvida (o nome da película a resume perfeitamente), filme do até então apenas correto John Patrick Shanley, viaja pela atmosfera desta escola, na intenção de nos apresentar o que, de fato, está acontecendo ou aconteceu.
A base da fita é um roteiro irretocável e genial de Shanley, isto é, foi baseado numa peça de teatro dele próprio. Durante os seus míseros cento e quatro minutos de reprodução (míseros num bom sentido, pois não necessita de mais nada), somos guiados por diálogos de tirar o fôlego entre os três personagens cléricos, sempre no intuito de fazer uma suposição virar verdade. Quando a mãe do garoto (Viola Davis) que, aparentemente foi molestado, é convocada para uma reunião com Irmã Aloysius e revela fatos sobre seu filho, o filme muda de tom, pois as revelações são interessantes. A mente da freira, a partir daqui, começa a entrar em conflito, mas nem isto a abala. Afinal, Padre Flynn é culpado ou tudo não passa de uma tentativa desesperada da Irmã de tirá-lo do comando? Por muitos odiado, o desfecho, ou seja, a última cena do filme, é um espetáculo! Confesso que estava preparado para algo parecido, mas não tão intenso. O que devemos colocar em pauta é o seguinte: o filme nasceu de um uma peça teatral – que deve ser uma obra-prima – e podemos afirmar isso mesmo que não tenhamos ciência da sua origem. John Patrick Shanley filma de forma clássica, mas sempre colocando toques teatrais na fita. A maior evidência desta “teatrização” é o desenvolvimento de cada um dos quatro personagens: são quase que alegorias que, por meio da retórica, tentam convencer o espectador de forma verbal (a partir dos diálogos) ou visual (com as nuances faciais e corporais). Este tipo de caracterização é típico nas peças de teatro e colocá-lo dentro de um filme é uma sacada de mestre.
Como a incisiva freira, temos Meryl Streep numa atuação visceral. Ela navega dentro da Irmã e não está menos que possuída, fantástica. Não só nos momentos em que se faz imutável aos argumentos dos demais, mas também na fatídica cena da sua humanização ela é impressionante. Amy Adams é a típica freira ingênua que acredita em todos que falam manso com ela. Numa das passagens em que chegam a sair faíscas dos diálogos (Meryl, Amy e Philip juntos), ela dá um show. Outra belíssima atuação, mesmo que secundária, desta atriz notável. Pela maioria, Viola Davis é tida como a estrela do filme em seus mínimos quinze minutos de atuação. Ainda que ache Amy melhor que ela, não nego que é uma cena-chave e que retira tudo de mais profundo de Viola; também, ótimo trabalho. O Padre Flynn é um sacana! Philip Seymou Hoffman se lançou como coadjuvante quando, na verdade, é co-lead. De qualquer forma, vai muito bem, principalmente nas suas metafóricas homilias. Tecnicamente, Doubt é outro trunfo: Roger Deakins, de volta, consegue ter duas das melhores fotografias da temporada (a outra em O Leitor); sempre com pouca luz, denotando a nebulosidade do fato. Howard Shore, um dos meus compositores preferidos, entende a proposta e faz uma trilha instigante e muito grandiosa. No geral, é tudo muito correto. Assim sendo, Dúvida cutuca onça com vara curta e expõe um assunto muito delicado sobre a igreja católica. Também nos deixa uma pergunta no ar: existe dúvida na mais plena certeza?!
Nota: 9,5
A base da fita é um roteiro irretocável e genial de Shanley, isto é, foi baseado numa peça de teatro dele próprio. Durante os seus míseros cento e quatro minutos de reprodução (míseros num bom sentido, pois não necessita de mais nada), somos guiados por diálogos de tirar o fôlego entre os três personagens cléricos, sempre no intuito de fazer uma suposição virar verdade. Quando a mãe do garoto (Viola Davis) que, aparentemente foi molestado, é convocada para uma reunião com Irmã Aloysius e revela fatos sobre seu filho, o filme muda de tom, pois as revelações são interessantes. A mente da freira, a partir daqui, começa a entrar em conflito, mas nem isto a abala. Afinal, Padre Flynn é culpado ou tudo não passa de uma tentativa desesperada da Irmã de tirá-lo do comando? Por muitos odiado, o desfecho, ou seja, a última cena do filme, é um espetáculo! Confesso que estava preparado para algo parecido, mas não tão intenso. O que devemos colocar em pauta é o seguinte: o filme nasceu de um uma peça teatral – que deve ser uma obra-prima – e podemos afirmar isso mesmo que não tenhamos ciência da sua origem. John Patrick Shanley filma de forma clássica, mas sempre colocando toques teatrais na fita. A maior evidência desta “teatrização” é o desenvolvimento de cada um dos quatro personagens: são quase que alegorias que, por meio da retórica, tentam convencer o espectador de forma verbal (a partir dos diálogos) ou visual (com as nuances faciais e corporais). Este tipo de caracterização é típico nas peças de teatro e colocá-lo dentro de um filme é uma sacada de mestre.
Como a incisiva freira, temos Meryl Streep numa atuação visceral. Ela navega dentro da Irmã e não está menos que possuída, fantástica. Não só nos momentos em que se faz imutável aos argumentos dos demais, mas também na fatídica cena da sua humanização ela é impressionante. Amy Adams é a típica freira ingênua que acredita em todos que falam manso com ela. Numa das passagens em que chegam a sair faíscas dos diálogos (Meryl, Amy e Philip juntos), ela dá um show. Outra belíssima atuação, mesmo que secundária, desta atriz notável. Pela maioria, Viola Davis é tida como a estrela do filme em seus mínimos quinze minutos de atuação. Ainda que ache Amy melhor que ela, não nego que é uma cena-chave e que retira tudo de mais profundo de Viola; também, ótimo trabalho. O Padre Flynn é um sacana! Philip Seymou Hoffman se lançou como coadjuvante quando, na verdade, é co-lead. De qualquer forma, vai muito bem, principalmente nas suas metafóricas homilias. Tecnicamente, Doubt é outro trunfo: Roger Deakins, de volta, consegue ter duas das melhores fotografias da temporada (a outra em O Leitor); sempre com pouca luz, denotando a nebulosidade do fato. Howard Shore, um dos meus compositores preferidos, entende a proposta e faz uma trilha instigante e muito grandiosa. No geral, é tudo muito correto. Assim sendo, Dúvida cutuca onça com vara curta e expõe um assunto muito delicado sobre a igreja católica. Também nos deixa uma pergunta no ar: existe dúvida na mais plena certeza?!
Nota: 9,5
Doubt; EUA, 2008; DRAMA; de John Patrick Shanley; Com: Meryl Streep, Amy Adams, Philip Seymour Hoffman, Viola Davis, Mike Roukins, Joseph Foster.
26 comentários:
O elenco é de primeira e o diretor apesar de estreante é um roteirista muito rodado e com qualidade.
Me parece imperdível.
Abraço
Olá, Kau! Tudo bem?
Verei este filme amanhã com expectativas no alto, e claro com sua crítica, que sempre me coloca na ansiedade. Depois venho aqui e falo o que achei, ok? ;)
Beijos e tennha um ótimo fim de semana!
Realmente um grande filme!
Sobre o seu comentário, acredito que o garoto tenha tido um bom tempo trabalhando com um coach para adquirir essa aura fria do filme, que o deixou morno, mas sem sucesso na atuação.
Bem... pela tua crónica só pode ser um filmaço. Segue as minhas (altas) expectativas.
Abraço.
Hugo, muitos classificam o elenco como superestimado. Mas é excepcional, isso sim! Abraços.
Mayara, tudo bem e vc?! O filme é quase uma pequena obra-prima, viu... Beijos e ótimo fds!
Pedro, não acho que a frieza venha do elenco, mas sim da direção falha de Daldry.
Red, é capaz que vc goste bastante. Espero que isso aconteça. Abraços!
Um grande filme. Eu vi ontem e achei incrivel. Curiosamente ele é um filme de atuações, já que todos os atores presenteam ao seu publico, soberbas atuações.
Do bolo, eu tenho certeza como 2+2=4 que Meryl Streep leva tranquilamente o seu Oscar, já que presenteia a todos com uma atuação de tirar o chapeu ...
e já para atrizes coadjuvantes ... fica dificil ...
Um grande hug of bear para vc buddy!
Kau, eu acho que, além de ser um trabalho perfeito de elenco (não ter vencido o SAG foi a piada do ano), "Dúvida" consegue ser cinema que faz pensar e promove debates. E isso, pra mim, é algo louvável. O longa entraria fácil fácil nos cinco melhores do Oscar se eu votasse hehe
Um ponto que concordo é que o elenco é maravilhoso, não há dúvida disso, mas achei a direção muito fraca, sem personalidade alguma - sem falar que o roteiro peca em alguns momentos, especialmente no desfecho. Abraço!
Eu gostei do filme, principalmente pelo seu elenco e pela condução da história, mas não tanto como você.
Mas sem dúvida (Trocadilho besta hehe) é imperdível.
João, concordo com vc. Meryl está num big tour de force, rsrsrsrsrs. Belíssimo filme... Abração!!!
Matt, premiar Slumdog em Elenco foi uma das viagens de ácido mais ridículas do SAG.
Vinícius, já eu achei a direção absurdamente madura e o roteiro impressionante, perfeito! E o desfecho não poderia ser mais correto, pelo menos pra mim. Abs!
Ibertson, acho que nenhum cinéfilo dará uma nota como a minha, rs. E claro, é imperdível.
Bom, cê sabe da minha opinião do filme, mas mesmo assim, 'Doubt' é incrível sim, adoro a direção do Shanley e o roteiro também, achei o final exato pro filme, o que precisava. Elenco nem tem o que falar.
Abraços!
Surpreso com nota e texto... irei ver, em breve!
Olá, Kau! Tudo bem?
Como combinado, vi "Dúvida" hoje e achei um filme muito bom, consegue misturar muito bem aquele drama com mistério, rsrsrs. Gostei bastante da trilha do filme. Em breve, terá resenha lá no blog.
Beijos!
Kau, estou ansiosíssima para conferir este filme justamente por causa de dois elementos que você citou em seu texto: roteiro e elenco.
Beijos!
Yuri, exatamente! Abraços!
Robson, achei que iam cair em cima de mim por causa da nota, rs.
Mayara, td bem e vc?! Pelo o que eu percebi vc gostou, mas não tanto quanto eu. Seu comentário não foi tão entusiasmado rsrsrsrsrs. Espero seu texto! Beijos.
Kami, acho que vc vai adorar o elenco! É um trabalho magistral. Beijos!
Como você, adorei Dúvida! Cada momento deve ser apreciado - acho que tudo flui de maneira positiva, desde atuações, roteiro e direção...
Weiner, bem-vindo ao clube dos que adoraram - mesmo este sendo pequeno. Concordo com tudo oq vc disse.
Como disse acima, quero vê-lo logo. Principalmente depois de ler muitos elogios no blog do Weiner também. Tem cara de ser bonzão.
Wally, acho que minha nota e do Weiner serão as mais altas. De qualquer forma, é um belíssimo filme!
Dei um 6,0 só pq eu sou bonzinho. =)
Kauanzito maldoso! =(
sua critica sobre o filme é excelente e a q eu mais concordo das muitas q eu li. indiscutivelmente o elenco é mto bom. streep numa atuacao equilibrada em q consegue transmitir suas emocoes atraves do olhar e seu tom de voz sempre medido. viola davis, q tanto tem sido falada, realmente merece td os elogios, afinal em sua rapida participacao, acrescenta mto a historia com sua atuacao forte e segura. eu gosto mto da narrativa de doubt, da forma como incita o espectador a entender o problema nas entrelinhas e sou um dos poucos q deixaria o final como é. achei a ideia de reforçar a duvida sobre o julgamente valida, sobretudo pq o longa toda argumenta sobre isso, sobre as impressoes q temos sobre os fatos e pessoas como tiramos nossas conclusoes.
Lucas, vc utilizou uma palavra muito pertinente: entrelinhas. Dúvida joga o tempo todo com mensagens neste formato e associadas com boas e incisivas metáforas. Um amigo meu chegou ao ponto de classificar o roteiro como ácido!
Grande, grande! Ótima análise do filme, que já é um grande injustiçado pela Academia, nesse ano. Afinal, podia ter ocupado de obras infinitamente piores que estão disputando o prêmio principal.
Abs!
Ramon, concordo plenamente! Milk e O Leitor são MUITO inferiores. Abs!
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